Friday 9 March 2007


Amanhece. As poucas horas de sono deixam o meu corpo torpe. Mais um dia na minha vidinha tão monótona; nada de novo de adivinha! Sei que tenho de sair, encarar o quotidiano tão simples mas o corpo pede mais descanso! Acabo por sair da cama e ainda não é dia sequer. Visto-me depois do momento de higiene obrigatório e saio de casa.

A madrugada fria, as mesmas pessoas deambulam pela rua, as mesmas de sempre. Subitamente, uma leve brisa gélida que me faz lacrimejar! Momentaneamente perco a visão, torna-se turva e vejo o Mundo de forma diferente; tudo está enevoado!! Sigo pela rua e dou com o café do costume! Entro e procuro a minha mesa de eleição! É tudo tão certinho e tão cómodo, tudo tão conhecido!

A mesa fica mesmo perto da janela que dá para a rua movimentada de gente desorientada e adormecida como de costume. Tiro o meu diário, a caneta que me deram no 15º aniversário e abro mais uma página. O Bóris, o amigo imaginário, está pronto para me ler novamente!! O cumprimento matinal, o desabafo do cansaço de mais um dia e, do nada, sou avassalada por uma voz interior que me diz que algo de surpreendente vai surgir! Não perco mais do que 10 segundos a pensar nisso; não quero!

As pessoas de sempre entram no café, os cumprimentos de sempre ocorrem há anos; são para mim como tu, “estranhos íntimos”! São tão familiares que me deixam segura e, no entanto, nem sequer me conhecem! Paro por uns momentos enquanto mexo o meu café e olho a rua, a correria sem rumo das pessoas atordoadas com o amanhecer, e começo a pensar em mim, mais uma vez um vazio, um rumo desconhecido, sentimentos que me guiam e confortam sem os saber explicar! A vontade de mudar diariamente e o comodismo, o receio de o fazer!

Tudo corre como planeado até que, inesperadamente, me dou conta que o meu Mundo está prestes a desabar! O pânico, o desconforto, o susto!!! Não sei o que sentir, não percebo o que vejo!

Dou comigo a fixar, no canto oposto da sala do café, uma nova silhueta, vulto desconhecido que me esforço por identificar; busco na memória, e busco novamente, um registo que me identifique quem está do outro lado, quem vem e se atreve a ameaçar o meu equilíbrio vivencial. Nada, não há nada que me indique, que me sossegue!! A inquietude começa a sufocar e só penso que tudo está prestes a mudar! Não pode ser, é impensável permitir que um vulto desconhecido ameace a minha segurança. Não quero que isso aconteça. A minha vida é, por vezes, vazia mas confortável e não estou disposta a perder isso! É mais fácil!

Mas a curiosidade e a necessidade de esclarecer o que está a acontecer torna-se, de segundo pra segundo, mais forte que qualquer coisa! Quero ver quem é mas tenho receio de sair do meu cantinho perto da janela; contudo é mais forte do que eu! Chamar a atenção ao pânico que estou a sentir também não é uma opção, mas tenho de ver.

Levanto-me disfarçadamente, vou deslizando suavemente por entre as gentes que vão entrando e saindo, as mesmas de sempre mas isso já não importa! Alcanço então um ângulo que me permite ver quem invade o meu Mundo e a frustração dá as caras! Por entre as frestas da persiana semi-aberta os raios de sol cumprimentam o Mundo e cegam-me!! Momentaneamente perdi a visão, não vejo nada à minha volta, deixei de me ver a mim. Sinto o vulto mover-se desconcentrado e como que perdido e não sei o que fazer, se regresso ao "lar", se prossigo e enfrento o meu maior medo neste momento!

Como que por destino, o sol sobe e deixa-me dar de caras com um par de olhos gigantes que me tiram o ar. Paro e fico estática, não tenho reacção absolutamente nenhuma! Só consigo fixá-los e não sei, sinceramente, o que pensar. São enormes, têm uma cor que jamais vi antes, um calor frio como que morto para as emoções e, ao mesmo tempo, a transbordá-las! Estou confusa, deveras!

O mundo deixou de existir, o barulho de fundo da máquina de moer café apagou-se e as vozes tornam-se distantes, cada vez mais. Só estamos ali os dois, os meus olhos naqueles que nunca antes enxerguei. É tão estranho não é? O medo de que tudo mude, deixei de o sentir.

O olhar é mesmo diferente! É um olhar de um vulto estranho mas é tão familiar, não sei mesmo o que pensar. Tento ser o mais racional possível e tentar perceber o que se está a passar e faço uma análise do que vejo - um olhar completamente novo, cheio e vazio ao mesmo tempo, que me está a mostrar coisas tão novas, e fico ali. O que vejo é que as emoções são possíveis, estou a tê-las. A sensação de que não são precisas palavras para as conhecer e, obviamente, a interacção física é importante!

Estou a ler uma vida tão conturbada, perdida e sem objectivos, com medo de tudo: de ser rejeitada, de sentir algo diferente, de falar o que pensa, de ouvir o que a magoa, mas com tanto amor para dar, com vontade de partilhar amizades e afectos, sem ruídos; não são necessários! Um olhar que vibra com qualquer coisa que o preencha e que não descansa até ver esclarecido tudo o que não entende.

Existe ali sinceridade e medo de falar, existe uma necessidade de sentir e de tocar. Estranho, um olhar pede o toque físico! Mas é mesmo assim, sem toque sente-se vazio como sempre se sente! No fundo, um misto emocional tão intenso e tão controverso, tudo de bom para todos e já para si.... O sonho, sonhar também lá esta! Viajar mundo fora sem sair do lugar, ver tudo e todos, memorizá-los e revê-los como que uma película de filme que passa vezes sem conta, a qualquer momento que se queira, porque a vida é mesmo assim, passa mas também fica, mostra e ensina a continuar a procurar seja lá o que for!

A adrenalina de sentir tão profundamente qualquer emoção é tão grande que o coração dispara e parece que não cabe no peito de tão pequeno que fica!

As sensações que me assombram agora começo a reconhê-las, são tão familiares essas que já li naquele olhar e tantas outras que nem consigo expor por palavras; não há palavras que as descrevam. Tenho mesmo de as conhecer dia a dia!

Subitamente, o chão sai-me debaixo dos pés e tudo se torna tão claro e mais real não podia ser! Estou tão assustada com o que vejo e, ao mesmo tempo, mais surpresa não poderia estar a sentir-me! Que revelação! Todos os receios que tive 15 minutos antes deste momento deixaram de existir; sinto-me pacificamente alegre e começo a acreditar que tudo vai mesmo mudar embora esteja ainda a resistir a essa ideia! Agora já percebo que é inevitável a mudança nas nossas vidas porque não as conseguimos controlar. O que tenho de fazer mesmo é aprender a aceitar a mudança e a conviver com ela, quer seja boa ou má. Mas ela implica uma evolução que nos torna maiores, mais adultos. Também nos faz abdicar de muito, ou de tudo se for necessário, e torna-nos mais fortes!

E então vejo-me a mim, finalmente a mim; o meu olhar reflectido no espelho que, por acaso nunca tinha visto. Irónico não? Tomar tudo por garantido e, no fundo, existe algo que eu desconhecia; e é precisamente isso que me mostr que tudo é uma constante mudança!!!! E tudo muda de facto! Só me custa a aceitar!!!

No comments: