Friday 28 December 2007


“- Não – disse o principezinho. – Ando à procura de amigos. O que é que “estar preso” quer dizer?
- É uma coisa que toda a gente se esqueceu – disse a raposa. – Quer dizer que se está ligado a alguém, que se criaram laços com alguém.
- Laços?
- Sim, laços – disse a raposa. – Ora vê; por enquanto, para mim, tu não és senão um rapazinho perfeitamente igual a outros cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto, para ti, eu não sou senão uma raposa igual a outras cem mil raposas. Mas, se tu me prenderes a ti, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E, para ti eu também passo a ser única no mundo…
- Parece-me que estou a começar a perceber – disse o principezinho. – Sabes, há uma certa flor… tenho a impressão que estou preso a ela…
- É bem possível – disse a raposa. – Vê-se cada coisa cá na Terra…
- Oh! Mas não é da Terra! – disse o principezinho.
A raposa pareceu ficar muito intrigada.
- Então, é noutro planeta?
- É.
(…) Mas a raposa voltou a insistir na sua ideia:
- Tenho uma vida terrivelmente monótona. Eu caço galinhas e os homens, caçam-me a mim. As galinhas são todas iguais umas às outras e os homens são todos iguais uns aos outros. Por isso, às vezes, aborreço-me um bocado. Mas, se tu me prenderes a ti, a minha vida fica cheia de Sol. Fico a conhecer uns passos diferentes de todos os outros passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música. E depois, olha! Estás a ver, ali adiante, aqueles campos de trigo? Eu não como pão e, por isso, o trigo não me serve para nada. Os campos de trigo não me fazem lembrar de nada. E é uma triste coisa! Mas os teus cabelos são da cor do ouro. Então, quando eu estiver presa a ti, vai ser maravilhoso! Como o trigo é dourado, há-de fazer-me lembrar de ti. E hei-de gostar do barulho do vento a bater no trigo…
A raposa calou-se e ficou a olhar durante muito tempo para o principezinho.
- Por favor… Prende-me a ti! – acabou finalmente por dizer.
- Eu bem gostava – respondeu o principezinho – mas não tenho muito tempo. Tenho amigos para descobrir e uma data de coisas para conhecer…
- Só conhecemos as coisas que prendemos a nós – disse a raposa. – Os homens, agora, já não têm tempo para conhecer nada. Compram coisas já feitas nos vendedores. Mas como não há vendedores de amigos, os homens já não têm amigos. Se queres um amigo, prende-me a ti!
- E o que é que é preciso fazer? – perguntou o principezinho.
- É preciso ter muita paciência. Primeiro, sentas-te um bocadinho afastado de mim, assim, em cima da relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas todos os dias te podes sentar um bocadinho mais perto…
O principezinho voltou no dia seguinte.
- Era melhor teres vindo à mesma hora – disse a raposa. – Se vieres, por exemplo, às quatro horas, às três, já eu começo a ser feliz. E quanto mais perto for da hora, mais feliz me sentirei. Às quatro em ponto já hei-de estar toda agitada e inquieta: é o preço da felicidade! Mas se chegares a uma hora qualquer, eu nunca saberei a que horas hei-de começar a arranjar o meu coração, a vesti-lo, a pô-lo bonito… São precisos rituais.
- O que é um ritual? – perguntou o principezinho.
- Também é uma coisa de que toda a gente se esqueceu – respondeu a raposa. – É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias e uma hora, diferente das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, têm um ritual.
(…)
Foi assim que o principezinho prendeu a si a raposa. E quando chegou a hora da despedida:
- Ai! – exclamou a raposa – Ai que me vou pôr a chorar…
- A culpa é tua – disse o principezinho. – Eu bem não queria que te acontecesse mal nenhum, tu quiseste que eu te prendesse a mim…
- Pois quis – disse a raposa.
- Mas agora vai-te pôr a chorar! – disse o principezinho.
- Pois vou – disse a raposa.
- Então não ganhaste nada com isso!
- Ai isso é que ganhei! – disse a raposa. – Por causa da cor do trigo…
Depois acrescentou:
- Anda, vai ver outra vez as rosas. Vais perceber que a tua é única no mundo. Quando vieres ter comigo, dou-te um presente de despedida: conto-te um segredo.
O principezinho lá foi ver as rosas outra vez.
- Vocês não são nada parecidas com a minha rosa! Vocês ainda não são nada – disse-lhes ele. – Não há ninguém preso a vocês e vocês não estão presas a ninguém. Vocês são como a minha raposa era. Era uma raposa perfeitamente igual a outras cem mil raposas. Mas eu tornei-a minha amiga e, agora, ela é única no mundo.
E as rosas ficaram bastante incomodadas.
- Vocês são bonitas, mas vazias – ainda lhes disse o principezinho. – Não se pode morrer por vocês. Claro que, para um transeunte qualquer, a minha rosa é perfeitamente iguala vocês. Mas, sozinha, vale mais do que vocês todas juntas, porque foi ela que eu reguei. Porque foi a ela que eu pus debaixo de uma redoma. Porque foi a ela que eu abriguei com o biombo. Porque foi a ela que eu matei as lagartas (menos duas ou três, por causa das borboletas). Porque foi a ela que eu ouvi queixar-se, gabar-se e até, às vezes, calar-se. Porque ela é a minha rosa.
E então voltou para o pé da raposa e disse:
- Adeus…
- Adeus – disse a raposa. – Vou-te contar o tal segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos…
- O essencial é invisível para os olhos – repetia o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que perdi com a minha rosa… - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Os homens já se esqueceram desta verdade – disse a raposa. – Mas tu não te deves esquecer dela. Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que está preso a ti. Tu és o responsável pela tua rosa…
- Sou responsável pela minha rosa… - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.”